- Vera Regina Meinhard
A PONTE ONDE OS ENCONTROS ACONTECEM
Aos 20 anos rompi uma relação de quase 6 anos. Ele queria casar, eu queria conhecer o mundo. Apesar da pouca experiência em relacionamentos amorosos sentia que planos de vida tão diferentes inviabilizavam a manutenção da ponte que criava nosso vínculo amoroso. Intuitivamente, aprendi cedo a entender que são necessários alguns ingredientes para um relacionamento saudável. Também aprendi que é preciso se desapegar para o novo entrar.
O lugar de onde via as coisas aos 20 anos era bem diferente dos lugares de onde posso ver hoje. Sei que intuitivamente tomei a decisão certa. Nossos mundos eram muito similares mas nossos sonhos muito diferentes. Paixão, balada, famílias reciprocas adoráveis e sexo não são suficientes para a construção de uma relação amorosa.
Com certeza sexo é um dos pilares, é essencial para uma relação sadia, mas não é suficiente. A paixão precisa se transformar em amor. Aprendi que amar passa pelo racional. Decidi amar meu marido porque nosso encontro proporciona algo que nos leva para um lugar ainda melhor. Porque estar com ele transforma qualquer momento a dois em algo mais festivo ou mais confortável, independentemente de estarmos curtindo uma viajem, passando por um momento de luto ou discutindo seriamente posicionamentos políticos, crenças religiosas, visões sobre aborto ou liberação de armas.
A relação amorosa é uma oportunidade de viver com um espelho constante que provoca meu ego e cria a ocasião para transcendê-lo. Para construir uma relação amorosa preciso olhar para mim e entender as provocações. Este convite para trabalhar o meu autoconhecimento ajuda na aceitação de mim mesma e no desapego de comportamentos tóxicos que não me servem mais. Colocar minhas angústias no outro mata qualquer relação. Se eu não sei o que valorizo fica difícil eu validar a minha relação. Das minhas experiências, aprendi que a base de uma relação saudável passa pelo amor próprio. Amar quem somos abre a porta para amar o outro.
Amar é querer a felicidade. Eu amo minha pessoa e tenho a plena convicção que mereço ser feliz. Levanto todo dia vivendo o que me faz feliz, inclusive os aprendizados que retiro da gestão das frustações. Amar um parceiro significa querer que ele seja feliz. Combinar a felicidade dos dois é construir a ponte todo o dia. Se a ponte não tem uma base sólida em cada ponta ela não pode existir. Amar, pode significar ser capaz de deixar o outro ir se isto lhe traz felicidade.
Entendo que somos seres evolutivos e vejo meu marido como tal! Olho para ele com esta visão, com meu coração cheio de vontade para descobrir quem está e estará ao meu lado. O que é importante para ele, o que o faz feliz. Numa relação amorosa saudável tem espaço para cada um e tem espaço para os dois. As bases de cada lado da ponte são ricas e a ponte sempre convidativa.
Quando decidimos estreitar uma relação sem alinhar nossos valores e nossos projetos de vida corremos o risco de nunca construir a ponte. Sonhar juntos permite colocar nossos valores em evidencia e ir juntando os pedacinhos que constroem a ponte. Ao mesmo tempo, saber que a ponte pode explodir, que ela é vulnerável, mesmo sendo construída de pedras, é para mim essencial para a manutenção de um lugar gostoso e saudável.
Entender que, assim como minha pessoa evolui, meu marido também evolui, torna meu olhar mais aguçado. Olho com vontade de ver os caminhos de mudança e acompanhá-los. Muitos casais quando os filhos saem de casa se encontram surpresos com a pessoa que de repente descobrem ao seu lado. Percebem que viveram 20 anos cuidando da educação dos filhos, das carreiras, da logística da casa, do patrimônio e esqueceram de olhar um para o outro. Vi muito isso acontecer quando tinha meus 25 anos. Decidi que não queria isso para mim. Queria a liberdade de viver eternamente um grande amor. Mesmo se o amor mudasse de endereço.
Vi muitos casais ignorarem o fato de viverem com um desconhecido, outros se divorciarem e buscarem um novo amor e ainda alguns encararem a situação como uma nova oportunidade para descobrir a pessoa que estava ao seu lado e se dar o direito de seguir com ela ou não. Por sinal, eu me coloco esta questão com uma certa regularidade. Acredito que faz parte da manutenção da ponte. Faz parte dos tijolos, pedras, enfeites, flores que coloco na ponte. Sei também que se permanecer constantemente nela, ela vai ficar robusta demais, quase engessada, virando uma zona de conforto na qual estarei sem nem mesmo saber quem sou.
A minha ponte tem a fragilidade da beleza de uma ponte japonesa, a modernidade da ponte pênsil da Normandia, o frescor de uma ponte zen e as cores de Claude Monet. Dou-me o direito de olhar para ela toda a manhã e verificar como ela está. Nem sempre ela está iluminada. Nem sempre consigo cuidar dela. Isso me entristece, pois amo estar nela e quero ela sempre bonita. No entanto, existem momentos que atropelam a vida, e a ponte tem que ter a solidez necessária para sustentar estes momentos e a vulnerabilidade necessária para que eles não criem as bases da zona de conforto que levam à uma relação sem aquele gosto de chocolate com pimenta.
Eu Você em Nós é uma maneira que encontrei de contribuir com os casais a olharem para esta ponte, para as bases que permitem a existência dela. Provocar de maneira lúdica conversas que quebrem tabus para viver com leveza esta relação. Transformá-la cada vez mais num lugar de prazer, de colo, de alegrias, de surpresas. Abrir-se para o crescimento mútuo, nem sempre concomitante e, que permita o reencontro.
Pessoas de bem consigo mesmas que se abrem para construir as pontes dos relacionamentos são mais felizes. Este meu novo trabalho em colaboração com a rede Ubuntu e o Solar é mais uma forma de criar possibilidades para homens e mulheres encontrarem o equilíbrio que permite olhar para um mundo de maneira mais integral e contribuir com o desenvolvimento sustentável.
Vera Regina Meinhard Cobellache